Com a presença do Sr. presidente do Estado, Nilo Peçanha, altas autoridades e a elite desta capital, realizou-se, anteontem, 23 de maio de 1905, no Theatro João Caetano, a apresentação da mágica em 3 atos e 14 quadros
Diamantina, poema do
Arthur Nogueira e 40 números de música do maestro
Francisco Assis Pacheco pelo corpo cênico do
Clube Dramático 27 de Julho, recém reorganizado. Foi ensaiador e regente, o maestro
Nunes Júnior, lente do Conservatório.
Trata-se de um clube particular, não há duvida, e nossa apreciação seria menos rigorosa se não fizessem parte dele atores conhecidos como
Irênio Coelho e
Dinorah Medeiros, e se, a seu favor, não fossem rumorejadas preferências dentre todos os que existem nesta cidade.
Foi nítido que o sucesso de
Diamantina se deve muito especialmente a
Cardoso Pires e
Ismael Maia, o que se justifica pelo bom desempenho que deram ambos aos papeis de Jagodes, rei da Parvônia, e Pimpolho, pajem do príncipe Serafim.
O primeiro ato começou frio, no entanto, notava-se na plateia certa agitação de curiosidade pelo desenrolar da peça. Foi Ismael Maia quem salvou todo esse ato, suficientemente auxiliado por
Zulmira de Almeida, no papel de príncipe Serafim.
A despedida de Pimpolho foi feita com ingenuidade, elevação artística e muita graça. Revelou incontestavelmente muito talento, realizando com vivacidade e expansão o idealizado do papel. Foi, em uma palavra, ator de gestos rápidos, de transportes felizes e engraçadíssimos.
O príncipe Serafim, embora o auxiliasse bem, procedendo com rara correção como estreante que foi, portou-se algumas vezes com frieza, em lances em que seus gestos deveriam ter sido vivos e executados com ardor.
Facilmente, se familiarizará, porém, com o palco, para o qual mostra vocação, tendo boa voz e anunciando uma amadora de mérito, pois sentia e sabia fazer sentir.
No segundo ato,
Francisco Valente, no papel de Rebeldino, gênio do Ódio, arrebatava-se de mais, não tendo conseguido realizar o misterioso e o horrível do personagem, como gênio do Ódio, que é a consubstanciação do exótico, do trivial e do sublime e em que o talento do artista deve atingir proporções excepcionais. Sacrificou, pois, algum tanto o papel, porque não soube palpitar e sentir como espectro, nem ser grande e excêntrico, nem ter loucura e o baixo do gênio do Ódio.
Isso, porém, não o desmerece, nem dele afasta o preito da nossa admiração, porque bem dificilmente poderá fazer esplêndida e impecável criação desse papel quem, como Francisco Valente, é dotado de sentimentos contrários e não se sente de veia para extravagantes manifestações do ódio.
E tanto assim que, na distribuição que fazemos de nossos despretensiosos e insuspeitos louvores, grande parte lhe cabe e lh'os endereçamos envolvendo-os nestas linhas.
Dinorah Medeiros soube desenhar com precisão e clareza o enredo da peça. Como bruxa, deixou alguma coisa a desejar, e bem se compreendeu logo que não lhe ia bem o lúgubre, o profundamente pálido e sinistro desse papel, caos informe e tumular de ardores d'alma sombrios e mórbidos, tímidos e apaixonados.
Moça ainda, cheia de vida e graciosa, sorriso franco, olhar vivo e penetrante, voz timbrada e dicção expressiva e correta, Dinorah Medeiros foi admiravelmente no segundo ato, e, com os seus requisitos, será, sem dúvida, inexcedível em outro papel que mais se relacione com o seu verdadeiro mérito.
O que temos dito constitui a impressão que nos causaram apenas os dois primeiros atos, durante os quais não conseguimos descansar um pouco, porque, apesar de convidados, não tivemos cadeira e fomos obrigados a aplaudir de pé o triunfo que o
Clube 27 de Julho alcançava no desenrolar dos dois referidos atos, findos os quais, já cansados, nos retirámos consolados, porque não fôramos nós os únicos e, sobretudo, porque tivemos, durante algum tempo, o encanto atraente de grande parte desse magnífico espetáculo.
A cargo do autor da peça, os maquinismos, durante esse tempo, funcionaram regularmente, dando ocasião a faltas perdoáveis e muito naturais.
Por vezes, o palco esteve vazio, o que é contrário À arte e nem o requeria a índole da peça, cuja importância e beleza de desenlace deveriam desempenhar-se no terceiro ato, a que, com pesar, deixamos de assistir.
A distribuição da peça foi a seguinte: Diamantina (fada do amor),
Selika Pereira da Costa; Judith,
Dinorah Medeiros; Zulmira (princesa encantada),
Alice Silva; príncipe Serafim,
Zulmira de Almeida; Jagodes (rei da Parvônia),
Cardoso Pires; Pimpolho (escudeiro do rei),
Ismael Maia; Cameto (escudeiro do príncipe),
Irênio Coelho; Rebeldino (gênio do Ódio),
Francisco Valente; Cucufate,
Guilherme Carvalho; Esguio,
A. de Carvalho; Pansudo,
R. de Mello; furavidas,
Alvarenga; Zith (gênio infernal),
Bastos Filho; Cupido,
menino Bastos.
A Mise-en-scène ficou a cargo de
Irênio Coelho e
Francisco Valente. Os coros ressentiram-se um pouco em uma
première. A orquestra, sob a regência de Nunes Junior, foi muito bem. A cenografia, um belo trabalho do inteligente amador Benevenuto Cellini, foi apreciada na justa medida do seu mérito.
Uma festa muito boa e que veio marcar a estrada de triunfos que vai trilhar o futuroso clube.
Com os respectivos convites os organizadores enviaram um número
d'O Theatro, interessante jornalzinho que o Clube fez editar para ser distribuído entre os seus associados, contendo bons artigos sobre assuntos teatrais e firmados por Benevenuto Cellini, Francisco Valente, Coquelin-Sully e outras notícias, incluindo também o programa desenvolvido do espetáculo.
Esta foi a denominação dos quadros:
1º A estalagem da Águia Azul;
2º Gruta dos feiticeiros;
3º Caverna de cobre;
4º Jardim das dormideiras (apoteose);
5º Uma aldeia em Parvônia;
6º Jardim encantado:
7º Templo do amor (apoteose);
8º Casa de Cucufate;
9º Encruzilhada infernal;
10º Cemitério em Santelmo;
11º O mensageiro;
12º O sono;
13º O alvorecer;
14º Apoteose final!
Tags: