Realizou-se com regular concorrência, no domingo, 7 de abril de 1901, a primeira récita deste clube depois de sua reorganização, com a mágica em 3 atos, poema e música de Francisco Assis Pacheco, intitulado O Chifre do Diabo.

Os valentes amadores do Clube Assis Pacheco, durante a ausência de seu patrono que se achava em uma companhia excursionando pelos Estados do Sul, organizaram uma nova associação que denominaram Centro Artístico Fluminense. Agora que Assis Pacheco regressou da turnê artística, ei-los de novo na sua faina reorganizando a antiga associação cujo triunfo foi completo e que nos fez relembrar as saudosas noites do 'Joanico', de 'Naná Sarilho' e tantas outras peças de mérito e ornadas de música deliciosa.

Quanto à parte literária desta peça escrita por um nome já bastante conhecido da nossa plateia e escritor há muito merecedor de honrarias pelo seu talento e merecimento, temos a dizer que a sua pena desenhou cenas espirituosas, cheias de verve, tendo por isso obtido o agrado do público. Compreendemos que a mágica foi arranjada para agradar, e que o seu autor conseguiu, amparado pela inspiração musical que deu à representação, fazer cenas bem compiladas que no pequeno entrecho da peça se desenvolviam, merecendo aplausos.

Do poema resta-nos dizer que é bem feito, bem urdido e que além de muitas pilherias possui algumas cenas comoventes. Caso singular em peças fantásticas, Assis Pacheco forjou um demônio fora do comum; criou um tipo infernal completamente novo mas de um cômico excessivo e sem trejeitos de Otelo.

O que não nos pareceu aceitável é que se denominassem a um conjunto de cenas bem detalhadas - Mágica - quando a ideia do autor foi além, fazendo nesta peça uma crítica severa deste gênero de representação.

Assim é que o personagem 'Espírito das Trevas', nesse caráter se exibe, ridicularizando a todos os milhões de diabos que já fizeram parte do lado dos fadas e dos talismãs. Em todo o caso observamos os subterfúgios e tramoias desta mágica, arranjada talvez precipitadamente ou por conveniência cênica, em uma associação de amadores onde as dificuldades imperam a cada momento.

A interpretação, embora vacilante por parte dos amadores desse belo conjunto cênico, foi mais que regular, cabendo a Ismael Maia (Tico-tico) os primeiros aplausos e aos demais a satisfação de verem coroados os seus esforços em diversas cenas.

O galã (Cyrano) não o de Bergerac, teve por interprete Leopoldo Froes; desempenhou-se bem, e na romanza do 2º ato cantou expressivo e sentimental pelo que muito justiceiramente o aplaudimos.

Os papeis de Aurora, Fada Lynce e Baronesa Vai ou Racha foram desempenhados pelas amadoras Dinorah Costa Medeiros, Belinha Pereira da Costa e Francisca Costa, que se houveram bem. Francisco Berrini, Antônio Alves e demais, agradaram bastante.

Quanto à parte musicada mais uma vez enaltecemos o distinto maestro Francisco Assis Pacheco, cuja fluência é extraordinária para a composição de música subtil, alegre e amorosa.

Dos quarenta números de música se destacam: 'Terceto dos tabeliães'; 'Romanzas de Cyrano'; 'Trio bufo dos músicos ambulantes'; 'Maxixe da Baronesa de Vai ou Racha'; 'Marcha dos bambus', 'Dueto do KUEN-KUEN'; 'Ária da Fada'; 'Dueto da Baronesa e do Tico-tico'; 'Couplet do Diabo'; 'Maxixe do Diabo', etc. A barcarola do 1º ato é uma delícia; o 'Terceto dos assobios' é de uma originalidade encantadora e os duetos são magistrais e suavíssimos.

Nos é difícil dizer qual o número mais bonito. Num crescendo toda a música tem o poder mágico de transportar toda a nossa alma de artista aos páramos de um mundo completamente novo. Se o poema não prestasse, só a música de Assis Pacheco, valeria tudo. Tal não se dá, porém já que poema e música são de uma felicidade inaudita.

Em summa resta-nos convidar o público para assistir às próximas representações do "Chifre do Diabo", pois não perderão o seu tempo. Os papeis estão perfeitamente distribuídos pelos amadores do Clube Assis, hoje em muito maior número. A peça está bem montada, possui maquinismos especialmente feitos e é belamente vestida, tendo toda a roupa sido confeccionada em casa de conhecido contumier.

Todo o material da cena foi expressamente encomendado na Capital Federal e é de maior efeito e deslumbramento. A peça foi magistralmente ensaiada por Assis Pacheco e a musica é uma delícia. Esperamos que este clube continue a proporcionar espetáculos dignos da aceitação popular, tendo à sua frente, como guia, o maestro Assis Pacheco.

Convinha para maior realce desta associação dramática, que a municipalidade cedesse gratuitamente o teatro para suas funções. A arte parece morrer abandonada dos poderes públicos, está decaindo... ajudem à salvá-la.


Personagens:

Irênio Coelho - Diabo, tabelião Chuva, músico ambulante.
Ismael Maia - Tico-Tico, outro músico ambulante:
Antônio Alves - Tio Ambrósio, Vento-mór;
Leopoldo Froes - Cyrano;
Alberto - Julião, tabelião, Chuvisco;
Francisco Berrini - Marciano, tabelião Pinga;
Francisca Costa - Baronesa de Vai ou Racha;
Belinha Medeiros - Fada Lynce;
Dinorah Costa Medeiros - Aurora.


Denominação dos Quadros

1º - O Casebre Encantado
2º - Uma vereda fantástica
3º - O Reino dos Assobios
4º - Domínio de Satanás
5º - O Bosque de Diabo
6º - (Apotheose) Ao Amor.

Cenografias de Coliva, Camões e Aymoré;
Roupas e adereços de D. Costa;
Cabeleiras de Storino;
Luz elétrica de José G. Ribeiro;
Calçado da Casa Pestana.


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Publicado em 03/06/2025

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