A teatralização dos versos de Castro Alves tenta repetir o clima denso dos porões de um navio negreiro

O teatro ainda é uma atividade de amadores em Niterói, sujeito por isso às improvisações e às surpresas ditadas pelo bom gosto e intuição. Castro Alves, um poeta de sempre, com sua mensagem, pode contribuir para o início de um novo período para o teatro da Capital fluminense. O Navio Negreiro virou peça teatral e, a partir de amanhã, 03 de junho de 1974, inicia uma temporada no Teatro Municipal de Niterói.

Um Navio Negreiro - adaptação teatral de poesias de Castro Alves em torno do tema Liberdade - começará manha uma temporada de sete dias no Teatro Municipal de Niterói, sob a direção de Antônio Carlos de Caz e com a participação de 19 atores universitários.

Num cenário forte e contrastante, de andaimes de ferro e madeira adornados com acessórios náuticos, os 19 atores dos grupos teatrais Gruta, de São Gonçalo, e Grite, de Niterói, alternam a récita das poesias do Poeta dos Escravos, com cantos murmurados e dolentes, em seus trajes maltrapilhos de escravizados ou agressivos de prepotentes senhores.

Segundo Carlos De Caz, para que o espetáculo fosse levado, os grupos, do qual os atores fazem parte, tiveram que trabalhar alguns meses até altas horas da madrugada se empenhando de certa forma na interpretação de poemas de Castro Alves. "Além disso, encontramos algumas dificuldades como local para ensaio e teatro para a estreia", disse o diretor. Com muita dificuldade foi conseguido o Teatro Municipal de Niterói.

O elenco está formado pelos seguintes atores: Ricardo Cunha, Evans Brito, Cesar Borges, Cristina Barros e Geraldo Marques, os tripulantes; Tania Pamplona, Sidney Vanusa Moreira, António Fernandes Tavares, Paulo Amaral, Jorge Nogueira Santos, Paulo Roberto Pereira Viana, Vick de Macedo, Paulo Sérgio e Silvio Miranda, os escravos do "Navio Negreiro".

Depoimento de Oliveira Viana

Sobre o poema contido em Navio Negreiro, de Castro Alves, o sociólogo Francisco José de Oliveira Viana afirmou: "quando ele participa com seus versos, e até com sua pessoa, da luta pelo escravo e não participa apenas nessa luta mas em outras - o abolicionismo não estava suficientemente forte, não estava sem dúvida, para concretizar-se, não era a força dominante. Mas existia já um pensamento abolicionista e uma campanha pela libertação do escravo. Castro Alves ajuda o desenvolvimento dessa campanha e é popular pelo conteúdo de suas poesias, nos meios receptivos à abolição. Ele não se antecipa de tal forma que acaba por converter-se em lei. E são precisamente os seus companheiros de geração, e até de bancos escolares, em muitos casos, que vão participar da derrubada final do regime servil".



Grito de Liberdade

A peça tem um ato com duração de uma hora e meia. Sua estrutura é a pоеsia de Castro Alves. O Navio Negreiro, que é intercalada a espaços por trechos de Vozes d'África, Adeus, Vidente e outros, cujo tema principal é a liberdade. "Não nos preocupamos em abordar o tema da liberdade em Castro Alves somente no caso particular da poesia que da título a peça - a escravatura - mas sob um prisma histórico, da luta de emancipação de todos os dominados contra os dominadores que é, por sinal, a interpretação que se da modernamente à temática do poeta", declarou Carlos de Caz.

Ele foi quem adaptou as poesias à peça, juntamente com Ademar Nunes e Mauro Dias. Na direção foi ajudado por Amaro Fabiano, aluno de Expressão Corporal da Universidade do Estado da Guanabara. A música é de José Alberto de Castro e Mauro Dias. Ora trechos dos poemas são musicados, ora o coro dos escravizados faz solos vocais em entoações de oração e lamentação. Os escravizados vestem-se com farrapos e estão descalços, enquanto os escravizadores e seus asseclas revestem-se de lata, à maneira de armadura, em figurino de Geraldo Marcos. Os únicos atores a se apresentarem com figurinos diferentes são Ademar Nunes, que personifica o próprio poeta, e Margareth Abi-Ramia, a musa.

Temporada curta

Carlos de Caz, que pertence à escola do Teatro Duse de Pascoal Carlos Magno, disse que a apresentação no Theatro Municipal de Niterói é "um ato de muita vontade de colocar no palco um trabalho de adaptação feito com carinho. "Ele trabalha de dia como professor de História das Artes, Educação Artística e Folclore em diversas escolas da Capital, enquanto todos os atores no mínimo estudam. O Teatro está sendo alugado a Cr$ 150 por noite e os ingressos já estão sendo vendidos antecipadamente para cobrir as primeiras despesas. Ao público será cobrado o preço único de Cr$ 5 e o espetáculo começará sempre às 21 horas.

A direção da peça e os atores, durante toda a semana passada, distribuíram cartazes de promoção, e em alguns colégios e faculdades foi feita venda antecipada de ingressos. "Nós realmente precisamos do aplauso e do dinheiro do público, para que possamos apresentar-lhes nossa resposta em outra ocasião e assim criar um público com o qual possamos dialogar", declarou o diretor. Os andaimes do cenário foram emprestados pela Prefeitura Municipal e os apetrechos náuticos pelo Centro de Armamento da Marinha. Os participantes e direção da peça baterão um papo, conforme fizeram questão de frisar, com o público após cada apresentação, "como coroamento dessa comunhão cultural."


Serviço

Um Navio Negreiro
Datas: De 03 a 09 de junho de 1974
Horário: 21h
Classificação indicativa: 10 anos
Ingressos: CR$ 5,00

Local: Theatro Municipal de Niterói
Endereço: Rua XV de Novembro, 35 - Centro, Niterói


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Publicado em 08/04/2024

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