No início de 1885, o pintor niteroiense Antônio Parreiras ainda era um artista pouco conhecido para além das fronteiras de Niterói. Discípulo do paisagista alemão Georg Grimm, Parreiras ainda colocava seus quadros à apreciação pública no ateliê de sua residência, na rua Santa Rosa, n. 29, para onde convidava jornalistas e formadores de opinião, em geral, amantes das artes plásticas.

Foi assim que no dia de seu aniversário de 25 anos, a 20 de janeiro, recebeu em visita alguns conterrâneos, entre eles, o poeta e jornalista Gastão Briggs. Seria sua primeira exposição de fato. E este, encantado com o que viu, não tardou a publicar, em 'O Fluminense', um artigo com críticas a alguns dos trabalhos que encontrou no ateliê.

Uma Exposição de Quadros, por Gastão Briggs

Atendendo ao convite do Sr. Antonio Parreiras, novel pintor ao qual parece acenar um horizonte de glórias, fomos visitar o seu atelier, onde estavam expostas sete belas paisagens. Aí não sabíamos o que mais admirar, se a intensidade, o carácter, a harmonia do colorido, se a correta disposição dos planos ou a naturalidade dos assuntos; tudo lisonjeava o olhar do observador e falava ao coração com a mudez eloquente dessa arte, que tem o poder de, num plano, reproduzir profundidades, mares, rios, florestas, montanhas, cidades inteiras com seus monumentos acumulados, campos imensos e, acima desses espetáculos, os astros irradiando os tesouros de sua diáfana luz.

A Ilha do Caju (Ponta d'Areia) é um quadro esplêndido. Árvores, casa de campo, praia, mar, faluas, pedras, morro, tudo, enfim, forma um conjunto agradável, onde os princípios artísticos foram respeitados. Lemos algures uma censura, a respeito das árvores maçarandubas que ali se vêm, considerando-as chatas e picadas.

Julgamos infundada essa opinião, embora tenha partido de pessoa abalizada. Todos conhecem essas árvores, que se encontram em todas as províncias do norte e do centro do Brasil até ao Rio de Janeiro; as suas folhas são tão miúdas que quase é impossível, a um quadro de pequenas dimensões, representá-las perfeitamente; daí a suposição de estarem elas picadas. Quanto a parecerem chatas, isto depende exclusivamente da alteração do estado fisiológico da vista do observador. Os planos distinguem-se perfeitamente; as duas maçarandubas se destacam de modo a reconhecer-se o tronco principal, os ramos, a folhagem de ambas. Além disso, antes dessas árvores, há dois coqueiros que facilmente se observara, mesmo a primeira inspeção. Como, pois, essas árvores estão picadas e chatas? Não podemos admitir essa crítica artística. Se nos objetarem que, se as árvores citadas distinguem-se entre si, é porque os planos são diferentes, responderemos que por entres ramos da maçaranduba principal, avista-se o firmamento ao longe, o que prova ainda que ela não está chata. É evidente que o Sr. Parreiras foi muito mais feliz na representação das árvores que margeiam a Cascata de Teresópolis, mas não é acertado sustentar que a maçaranduba do último plano, na Ilha do Caju, está picada e chata.

O Maruhy Pequeno (cabana de pescador) é de grande efeito. A cor fresca, alegre e viva do mar, o belo panorama que desdobra, deixando descortinar ao longe a Gávea e o Pão de Açúcar, torna este quadro maravilhoso.

Uma Cascata em Teresópolis é uma paisagem que muito agrada. Ali a vista se extasia diante de um dos mais aprazíveis aspectos da natureza. As árvores que margeiam a cascata parecem terem sido delineadas por mão de mestre. Entretanto, julgamos que a falta de um ou mais entes animados é sensível neste quadro, que torna-se uma obra mal acabada, pois que, para uma pintura ser verdadeiramente bela, é preciso que reúna, num mesmo lugar, as formas diversas e mais expressivas da vida física, animal e psicológica. Charles Lévêque, analizando Diogéne, paisagem de Nicolas Poussin, escreveu: "Mas a serenidade dos céus, essa brandura da luz, essa fresquidão das águas, essa amenidade das ricas sombras (que ele acabava de realçar), nós as apreciamos muito mais quando o artista ali coloca seres vivos que as apreciem antes de nós e que interpretem, por suas relações diversas com a paisagem, as belezas que a ela estão ligadas [...] Acrescentai num canto dois pastores, trançando cestos. Oh! eis-me muito mais contente!"

O Túmulo no Alto de Teresópolis atrai a atenção do observador pela expressão do colorido. A natureza física ali se revela no seu maior vigor, principalmente a verdejante vegetação que orna o cimo da montanha. A cerca em ruínas que circunda o túmulo, prende o olhar de quem a observa, pela naturalidade com que está feita, confirmando assim a frase de Chateaubriand: "Quand les ruines sont placées dans un tablean, en vain on cherche à porter les yeux autre part: ils reviennent toujours: attacher sur elles. (Quando ruínas são colocadas em uma imagem, tenta-se em vão direcionar os olhos para outro lugar: eles sempre retornam para fixá-los nelas.)"

A Restinga de Icarahy e um trecho da Rua Diamantina, são originalíssimos. Nestas paisagens, o jovem pintor tornou patentes as vantagens da escola naturalista. São dois quadros que desejávamos possuir entre tantos outros que temos.

Na paisagem que representa a Cascata dos Caçadores, tudo é sublime: o que, porém, sobressai, é o fundo que apresenta, tão expressivo que parece ver-se o infinito por entre o vasto arvoredo que margeia a queda silenciosa das águas.

Foram estas as impressões que causou-nos a exposição de quadros do Sr. Antonio Parreiras. Se nos perguntarem quem nos animou a escrever o presente artigo, invadindo seara alheia, responderemos, com toda a isenção de ânimo, que a isto estamos autorisado por Charles Lévêque, por Louis Viardot, pelo Chanceller Bacon, por Paul Delaroche, por Edgard Quinet, por Edmond Texier, por Josuah Reynolds e por Moratin, que tanto têm escrito sobre a arte de pintura e cujas obras têm sido por nós manuseadas.

Não podemos, porém, terminar este sucinto juízo crítico, sem felicitar o nosso distinto amigo, o Sr. Antonio Parreiras, pelo progresso rápido que tem tido na arte predileta de Giorgine e Titien. Continue a aplicar-se, como até hoje tem feito, que mais tarde, temos fé, o seu nome será inscrito no Pantheon das glórias artísticas do Brasil.

Publicado no jornal 'O Fluminense' a 25 de janeiro de 1885



Foi em razão dessa mesma mostra que o também poeta e jornalista Alfredo Azamor escreveu de forma sarcástica: "Antonio Parreiras é patriota, e mais do que patriota, é bairrista. O habitante de Niterói, acostumado a observar suas belezas naturais, ao entrar na oficina do pintor, não precisa perguntar pelo título dos quadros; vai vendo-os e nomeando-os: a ilha do Caju; o Maruhy Pequeno; a Restinga de Icarahy; a Rua Diamantina; a Ponta do Gragoatá; o rochedo da Boa Viagem; a Rua do Pau Ferro, etc., etc.

Gastão Adolfo Raoux Briggs foi poeta e professor de francês. Serviu no funcionalismo público da Província do Rio de Janeiro, e foi um dos fundadores do Congresso Literário Guarany. Escreveu e publicou, em 1884, um estudo sobre a prosódia francesa, acompanhado das origens latinas e dos caracteres alfabéticos. Abolicionista militante, foi também colaborador do jornal 'O Fluminense'.


Nota: Rua Diamantina, hoje Marquês do Paraná; rua do Pau Ferro, hoje Miguel Couto.
Pesquisa e edição: Alexandre Porto


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Publicado em 14/06/2025

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