A 27 de maio de 1886, o jovem pintor niteroiense Antonio Parreiras, cujo talento já ganhava notório reconhecimento na sociedade fluminense e carioca, expôs uma coleção de paisagens no ateliê do fotógrafo Insley Pacheco, também artista do pincel, à Rua do Ouvidor.

Discípulo de George Grimm, e dos mais estudiosos, e dos que mais aproveitaram as lições recebidas, não deixava Parreiras um momento de repouso no pincel, demonstrando à crítica que nele se igualavam o amor à arte e a ambição pela ascensão profissional.

Tratava-se de uma série de estudos colhidos na viagem que fez pelo interior e litoral da então província do Rio de Janeiro. Entre os quadros expostos, estavam diversos panoramas de Niterói, e paisagens de Angra dos Reis, serra de Petrópolis e Estrela.

E justamente desta excursão à região de Petrópolis, que fez acompanhado de Antonio Rafael Pinto Bandeira (Niterói, 1863-1896), nos conta Carlos Roberto Maciel Levy em seu livro "Antônio Parreiras (1860-1937): pintor de paisagem, gênero e história" (Ed. Pinakotheke, 1981), Parreiras traz pelo menos sete pinturas, com as quais forma o núcleo básico da mostra. Inicialmente de curtíssima duração, a exposição foi alongada para receber a visita do Imperador D. Pedro II.

No dia 3 de junho, com chuva e mau tempo, Parreiras recebe a visita do soberano, que chega acompanhado de seu camarista, Conde D'Alzejur. A visita prolonga-se por duas horas e quase provoca um incidente, quando o Imperador declara desejar adquirir a pintura Foz do Rio Icarahy, que já havia sido vendida. Parreiras não concorda em cancelar a venda já efetuada, mas compromete-se a executar uma pintura semelhante, após negar-se a fazer outra tela igual, sob a alegação de que isto feriria seu comportamento artístico. A 21 de agosto faz entrega ao Imperador, no Palácio Imperial, da paisagem O Rio Santo Antônio, tomada do bairro de Jurujuba, em Niterói, de características semelhantes à pintura que causara a controvérsia. (Levy, Carlos R. M., 1981).



A imagem do quadro "Foz do Rio Icarahy" foi capturada no trecho final da Av. Ary Parreiras, em Icaraí, hoje coberta pela praça Dom Navarro. O rio Santo Antônio é hoje um curso d'água canalizado ao longo da Av. Presidente Rooseveld, no bairro de São Francisco.

O jornal 'O Paiz' dedicou a coluna "Echos Fluminenses" à exposição de Parreiras, "para que do valor de seus belos quadros não desmereça uma pálida notícia". E para essa tarefa, escalou outro discípulo de Grimm, Joaquim José de França Júnior, "juiz competente e severo, cuja palavra é tão brilhante como as cores vivas da sua palheta". França Junior (1838-1890), advogado, dramaturgo, jornalista e pintor, foi um dos mais importantes autores de teatro de costumes na segunda metade do século XIX.


"Foz do Rio Icarahy", Parreiras, 1855


O paisagista Parreiras, por França Júnior

Já lá vão três para quatro anos. Como corre veloz o tempo, sobretudo quando se tem dobrado o cabo tempestuoso dos quarenta, e a gente começa a navegar pelos mares da vida sempre com vento pela proa! A rua Taylor, em sua simplicidade primitiva, ainda em mato, não sonhava o elegante casario e os lindos chalets, que hoje a adornam.

O capim crescia abundante e rico de seiva à margem da estrada. A luz do sol envernizava a alfombra de folhas secas sobre a qual os floridos cajueiros espreguiçavam-se em caprichosas curvas.

As embaúbas com suas largas folhas prateadas, as mangueiras que se alinhavam pelo caminho alastrando-o de sombra, os verdes leques dos coqueiros a recortarem no horizonte o azul do céu, um trecho de mar no longe limitado por diáfana cordilheira davam àquele sítio encantos indizíveis!

Era ali que quatro rapazes passavam o santo dia a trabalhar.

Esse trabalho não consistia em quebrar pedras, carregar barro, revolver o solo com uma enxada... em regar enfim a terra com o suor do rosto. O esforço muscular que faziam era insignificantíssimo. Eles pintavam.

Na opinião de muita gente boa, isto, e não fazer nada, vem a ser uma e a mesma coisa. A história desses rapazes, com exceção de um deles, resume-se no seguinte: "Eram discípulos da nossa Academia de Belas Artes".

Ali prepararam-se para as lutas da carreira que deviam seguir, quando um largo horizonte abriu-se para a aula de paisagem, condenada, pode-se dizer, quase ao esquecimento, pela maneira improfícua por que era dirigido o ensino. A missão dos alunos, ainda os mais adiantados, era copiar, copiar servilmente cópias.

Alguém soprou talvez ao ouvido do governo, o qual felizmente nem sempre é surdo, que era conveniente chamar para dirigir aquela aula um alemão, cujos quadros haviam atraído a atenção de alguns artistas pela impecabilidade do desenho e sobretudo pela exata observação da nossa natureza.

Foi contratado o alemão.

Entrando pela academia, o novo professor com as suas longas barbas de huguenote, o seu largo chapéu de feltro e a sua bengala retorcida como o poder executivo de um janota do diretório, disse, carregando o sobrolho, no melhor português que pôde arranjar, ao rapazio que ali se achava:

"Quem quer trabalhá comigo vem bra fora. Atelier de baisagista está no meio de rua. Eu não sabe ensiná de outro modo. Quem não quer trabalha vai bra diabo que carregue".

Os alunos olharam uns para os outros e disseram: "Isto não é homem, é um bicho!". Um deles, de cara angulosa, nariz adunco, olhos esverdeados, cabelos em desalinho, saltando para o meio da sala, a cortar o espaço com acionados bruscos, disse com ar resoluto: "Eu não vou, pílulas! Acompanhar este sujeito está se ninando, pílulas! Ora pílulas!"

E muitos acrescentaram:

"Nem eu".
"Nem eu".
"Nem eu tampouco".
"Comigo também não contém".
"Isto não me cheira".

Estava formada a greve.

Os leitores já reconheceram no papel de cabeça do motim o inteligente Giovanni Castagneto, o nosso festejado pintor de marinhas, cujo tipo e linguagem são tão originais como a sua palheta.

Georg Grimm, o novo professor que assim falava, levou apenas consigo três discípulos: Hipólito Boaventura Caron (1862-1892), Domingo Garcia y Vásquez (1859-1912) e Francisco Joaquim Gomes Ribeiro (1855-1900).

Estes três, porém, foram bastantes para que se reconhecesse logo nos primeiros tempos o quanto era verdadeiro e profícuo o seu método de ensino. De todos os paisagistas que temos tido, Grimm foi o único que formou escola.

Agostinho José da Mota (1824-1878), o artista brasileiro que com tanto sentimento soube interpretar a nossa natureza, não nos legou um só discípulo!

Henri Nicolas Vinet (1817-1876), cujas paisagens são disputadas hoje pelos bons amadores, morreu sem deixar um representante de seu estilo pórtico e ao mesmo tempo tão verdadeiro!

A Hipólito Caron e Garcia y Vásquez, que aperfeiçoam-se atualmente na Europa, e Francisco Ribeiro, que o público acaba de aplaudir em sua última exposição no salão De Wilde, veio juntar-se nos estudos da rua Taylor mais um discípulo - Antonio Parreiras. O público, por mais de uma vez, tem apreciado os trabalhos deste novel paisagista. A imprensa já o alistou no rol de seus queridos.

A atual exposição, porém, em casa do Sr. Insley Pacheco, é a maior e a mais notável que tem feito Parreiras. Nela o artista revelou que trabalha e que progride.

A sua maior tela, representando parte do antigo palácio imperial da raiz da serra, em Petrópolis, é um estudo sério e consciencioso da natureza. A perspectiva do casarão em ruínas, as montanhas que se esbatem ao longo no campo iluminado do firmamento, o arvoredo que recorta o céu, e sobretudo a vasta toalha de grama do primeiro plano cuidadosamente observado, dizem brilhantemente que do pincel do artista muito se deve esperar ainda, se ele não esmorecer em meio da viagem, ou se não andar para trás, como tem acontecido infelizmente a muitos.

Não menos importante é um estudo d'água, sobre a qual espelham-se moitas de uma vegetação quente, tendo no plano principal uma barreira, cujos tons pecam, todavia, por excessiva frieza. Ao lado deste quadro há um outro que agrada-me pela maneira singela por que é pintado.

As duas telas, representando trechos de Angra dos Reis, não estão na altura dos outros trabalhos. São frias e amaneiradas. Vê-se que nelas, assim como em algumas outras, o artista teve a preocupação de fazer bonito, de agradar o público ignorante, artisticamente mal educado.

Quem, como o Sr. Parreiras, trabalha sempre no ar livre em frente da natureza, mostrando assim ser digno discípulo do mestre que teve, não deve esperar que digam de suas composições, о que um crítico francês costumava observar em frente de certos quadros que não primavam pela verdade: "C'est plus beau que nature".

Perca se muito embora a popularidade, mas nunca a probidade artística.

Se o nosso verde é quente e escuro, o paisagista não tem o direito de corrigi-lo para torná-lo mais agradável à vista de falsos amadores. A luz do nosso sol é deslumbrante demais? Procuremos fazê-la tal qual ela é. O céu do Brasil é azul? Para que pintá-lo pardacento ou amarelado?

Desculpe-me o artista estas ligeiras observações. Apreciando extraordinariamente o seu belo talento, já tão desenvolvido com tão pouco tempo de estudo, fazemo-las para que não se desvie do trilho em que vai.

A última exposição de Parreiras revela que o artista tem muito talento e grande atividade.



Leia também: A Foz do Rio Icarahy.
Com informações do jornal O Paiz
Pesquisa e edição de Alexandre Porto


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Publicado em 11/06/2025

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